SP quer reprovação também no 7° ano

28-09-2011 19:18

 

 
   
  Folha de S. Paulo, 28/09


SP quer reprovação também no 7º ano

Pela progressão continuada, hoje o estudante da rede estadual só pode ser retido no 5º e no 9º anos do fundamental

Argumento é melhorar o desempenho do aluno antes de ele terminar o ensino fundamental; educadores são críticos


FÁBIO TAKAHASHI
RICARDO GALLO

ELTON BEZERRA

O governo Geraldo Alckmin (PSDB) fechou proposta para alterar a progressão continuada na rede estadual de ensino: o aluno, a partir do ano que vem, poderá ser reprovado também no 7º ano do ensino fundamental.
Hoje, o estudante só pode ser retido em duas oportunidades -no 5º e no 9º ano. A proposta é ampliar para três: no 5º, 7º e 9º ano.
Na progressão continuada, não existe reprovação ao final de cada ano. A retenção só ocorre após os chamados ciclos de aprendizagem. O argumento é que é preciso tentar melhorar o desempenho do aluno antes de reprová-lo. A repetência leva à evasão escolar, apontam pesquisas.
Criar mais um ciclo estava nos planos do governo desde o início do ano. A avaliação é que o terceiro ciclo permite maior acompanhamento de aprendizado do aluno. Aventada em fevereiro, a ideia inicial, porém, era diferente: a reprovação seria já no 3º ano.
No projeto atual, que já foi discutido com professores e diretores, sai a retenção no 3º ano e entra a do 7º.
A Secretaria da Educação não informou a razão da mudança. Disse que só hoje poderia comentar o projeto, que voltará a ser discutido em outubro e poderá ser alterado.
O texto prevê ainda que o aluno que terminar o 3º ano com dificuldade de alfabetização terá um programa de acompanhamento intensivo, separado dos demais. O mesmo ocorrerá com egressos do 6º e do 8º anos.
Educadores criticaram a proposta de ampliar a chance de reprovação do aluno.
Para Ocimar Alavarse, da Faculdade de Educação da USP, a proposta é "atrasada". "Introduzir [mais um ciclo de] reprovação parece mais uma concessão aos professores. Parte das dificuldades não é de aprendizagem, mas de ensino", diz Alavarse, ressaltando haver grande número de docentes precários na rede.
Ele também questiona a recuperação intensiva só depois do terceiro ano. "Isso tem de acontecer antes."

MENOS ALUNOS
O pesquisador Marcelino Rezende, da USP Ribeirão, diz acreditar que haverá menos alunos chegando ao 8º e ao 9º anos. "Quanto mais obstáculos, mais a chance de alguns ficarem no caminho."
Já Regina de Assis, doutora em educação e ex-integrante do Conselho Nacional de Educação, defende ampliar o número de ciclos. Mas acha que a retenção deveria começar no terceiro ano.
"Estão trocando seis por meia dúzia", diz. "O terceiro ano é a época ideal para avaliar como vai o processo de cálculo, de escrita, porque a criança sofre uma mudança dramática da capacidade cognitivo-linguística."
A proposta faz parte de um pacote do governo de mudanças que inclui reduzir a carga horária de português e matemática no ensino médio, conforme a Folha revelou ontem.

ANÁLISE
Escola deve notar logo o problema para poder corrigir aluno

HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA


Até podemos nos embrenhar no debate, algo bizantino, sobre a duração ideal dos ciclos no sistema de progressão continuada, mas isso significaria abraçar o detalhe para esquecer o essencial.
Se há um "non sequitur" no mundo da pedagogia, ele está na noção de reprovação. Se um aluno não aprende, temos duas possibilidades: ou o problema está no estudante ou no colégio. Na primeira hipótese, não há muito o que se possa fazer.
O que de melhor a escola pode oferecer a essa criança é um espaço de convivência que a mantenha longe de encrencas. Neste caso, retê-la numa série serve apenas para separá-la de seus amigos.
Se, por outro lado, a falha está no sistema, que não consegue ensinar, aí é que a reprovação não vai surtir nenhum efeito, tornando-se no máximo uma mandinga.
É mais razoável, como prevê a teoria da progressão continuada, que a escola identifique tão rapidamente quanto possível os alunos que não assimilam os conteúdos e procure corrigir a situação.
É claro que é mais fácil falar do que fazer. Para o sistema funcionar é necessário que a rede pública desenvolva estruturas de avaliação fina, de aulas de reforço em vários níveis para cada série e de apoio psicopedagógico.
Desta vez pelo menos a Secretaria de Educação tenta evitar os erros do passado, discutindo antes com os professores os aspectos mais fundamentais da reforma.
Vale lembrar que a implantação dos ciclos, iniciada em 1997, foi desastrosa. A mudança foi ditada de cima para baixo sem explicar nada a ninguém, o que resultou num processo em que os principais atores não se engajaram. Na prática, a progressão virou uma aprovação automática que, embora não explique as deficiências do ensino, ajudou a perenizá-las.